Nos últimos séculos, a nossa compreensão da herança e da evolução tem-se baseado principalmente em mecanismos de mutação genética e seleção natural. Embora não haja dúvidas sobre a validade da herança da seleção natural, vários estudos importantes sugeriram que os efeitos ambientais experimentados por um organismo durante a sua vida podem ter influências marcantes no seu fenótipo, e ser transmitidos às gerações seguintes através de mecanismos não genéticos (mecanismo epigenético).

Por conseguinte, a crença de que o código genético é a única base da herança biológica foi desafiada pelas evidências que sugerem que as alterações epigenéticas resultam em fenótipos persistentes que são transmitidos através das gerações. Assim, a herança epigenética transgeracional emergiu como um campo crescente nas ciências da saúde e ambientais. Apesar do número crescente de estudos que reivindicam impactos epigenéticos transgeracionais das substâncias químicas ambientais, muitos apresentam lacunas na concepção experimental transgeracional investigando apenas a exposição direta (F0, F1 e/ou F2) excluindo as gerações verdadeiramente não expostas (F3 e superiores) ou testando concentrações químicas muito acima da relevância ambiental. Além disso, a associação entre modificações epigenéticas e resultados adversos nas gerações não expostas não está completamente estabelecida para muitas substâncias químicas e os mecanismos que controlam estes efeitos continuam a ser pouco conhecidos.
Por conseguinte, é essencial caracterizar as ligações entre o estado epigenómico e os traços fenotípicos ao longo das sucessivas gerações não expostas. TRANSEPIC visa clarificar o risco de um vasto grupo de substâncias químicas – Contaminantes de Preocupação Emergente (PEC) que apesar de omnipresentes nos ecossistemas aquáticos e deletérios para espécies não alvo, ainda são negligenciados em estudos epigenéticos transgeracionais.
O objetivo principal do TRANSEPIC é caracterizar as alterações epigenéticas putativas induzidas por níveis ambientalmente relevantes de CEC-chave numa espécie modelo importante (Danio rerio), a fim de ligar as alterações epigenéticas a resultados adversos transgeracionais, revelando de tal forma os mecanismos subjacentes.
Outro objectivo importante é identificar se a transmissão de fenótipos alterados é por linhas paternas ou maternas. Embora a herança epigenética tenha sido associada à transmissão maternal, estudos recentes destacaram o papel da linha germinal masculina na herança transgeracional. No seu conjunto, este projecto deve fornecer informações valiosas para melhorar a avaliação dos perigos ambientais e dos riscos das CEC, uma vez que os efeitos epigenéticos transgeracionais destes contaminantes ainda não estão integrados nos quadros de avaliação dos riscos. Com estes objetivos, iremos abordar várias questões fundamentais: Os PEC selecionados causam efeitos adversos transgeracionais? A herança de fenótipos alterados é transmitida por linhas paternas, maternas ou ambas? Qual é o papel das modificações epigenéticas? As modificações epigenéticas e de expressão genética estão correlacionadas com resultados adversos em gerações não expostas? Estes objetivos-chave serão prosseguidos ao longo de 7 tarefas complementares utilizando uma combinação de metodologias atualizadas e o organismo modelo zebrafish (Danio rerio). Globalmente, TRANSEPIC contribuirá para clarificar as relações entre a exposição transgeracional dos CEC, a modificação epigenética e os resultados adversos. Com esta abordagem conceptual, esperamos validar novas vias de resultados adversos (PON) para os PEC em estudo e contribuir para melhorar os perigos ambientais e a avaliação dos riscos necessários para apoiar a gestão/conservação sustentável do sistema aquático.