O Oceano Ártico enfrenta as consequências da tendência de aquecimento de longo prazo causada em grande parte pelo impacto das atividades antropogénicas. Atualmente assiste-se a uma diminuição dramática na extensão do gelo marinho, com o recuo de aproximadamente 50% desde a década de 1950 (ParKinson et al. 2013, Dybwad et al. 2021).
Numerosos estudos têm exemplificado as implicações destas mudanças ambientais notáveis na hidrografia e propriedades físicas das massas de água do Ártico, com consequentes impactos na redistribuição dos nutrientes e mudanças em todo o compartimento biológico (Barber et al. 2015, Dybwad et al. 2021, Assmy et al. 2017, Duarte et al. 2022). O azoto (N) é um elemento fundamental para os organismos vivos e o seu ciclo biogeoquímico inclui a participação de microrganismos altamente diversos que disponibilizam os compostos de N que vão alimentar a produtividade primária dos ecossistemas (Kuypers et al. 2018).
Estudos anteriores, também da nossa equipa de investigação, sugerem que as comunidades procarióticas do Oceano Ártico envolvidas na biogeoquímica do N respondem fortemente às mudanças ambientais durante o período de transição entre o inverno e o verão e que as comunidades envolvidas na oxidação da amónia assumem uma função fundamental na promoção da reciclagem de N neste ambientes remotos (Müller et al. 2018, Sousa et al. 2019). No projeto N- MicroARCTIC, propomos estender as observações anteriores num estudo completo projetado para entender as fontes e as vias do reciclagem do N no cenário atual de mudanças climáticas no Oceano Ártico. Neste projeto colocamos a hipótese de que o rápido recuo do gelo marinho promoverá novos regimes funcionais do microbioma do ciclo do N com implicações transversais no ecossistema. Estudos anteriores ainda não foram capazes de testar esta hipótese por estarem limitados em produzir conhecimento básico na dinâmica temporal das comunidades microbianas do Ártico, devido à escassez de dados temporais microbianos nesta região.
No projeto N-MicroARCTIC iremos contornar esta limitação através da integração de programas de monitorização internacionais e através da geração de dados de microbiomas planctónicos complexos (genómica/metagenómica/metatranscriptómica/biogeoquímicos/metadados) de 11 anos de expedições no Oceano Ártico, através da participação anual dos membros da equipa de investigação (CIIMAR e NPI) em campanhas oceanográficas internacionais e multidisciplinares. Neste projeto serão ainda validadas tecnologias inovadoras de monitorização de microbiomas planctónicos (amostrador de eDNA autónomo) desenvolvidas pela nossa equipa de investigação (Martins et al. 2016, Ribeiro et al. 2019) de forma a ampliar os dados de microbiomas em ambientes remotos como o Ártico.
Este projeto utilizará observações ambientais únicas, de 11 anos de expedições ao Ártico, simulações experimentais e análises de dados globais num esforço interdisciplinar para produzir dados científicos confiáveis para melhor entender as perturbações das alterações climáticas nas comunidades microbianas envolvidas em metabolismos biogeoquímicos chave do Oceano Ártico. Isso inclui i) novos conhecimentos para entender as fontes de N (por exemplo, fixação de N, Nitrificação) no Oceano Ártico contemporâneo e futuro, que ainda está em debate não estando disponíveis dados suficientes que suportem uma resposta efetiva (Müller et al. 2018, Sousa et al. 2019) ii) nova e sólida compreensão científica sobre a resposta do microbioma do N e suas funções nas manifestações das mudanças climáticas no Ártico, atualmente limitada pela falta de programas de monitoramento de variáveis biológicas de longo prazo, e somente alcançável através do nível de interdisciplinaridade e integridade do nosso conjunto de dados do Oceano Ártico; iii) fornecer uma nova imagem abrangente sobre os impulsionadores ambientais do ciclo do N em diversos ambientes do Ártico (fjords, zonas costeira e domínios oceânicos).
Estes resultados representarão um importante avanço em relação ao funcionamento do ecossistema do Ártico, preenchendo lacunas críticas sobre o papel ecológico do ciclo do N na sustentação das mudanças dos regimes da produtividade, diversidade e recursos biológicos do Oceano Ártico. Neste sentido a contribuição científica do projeto N-MicroARCTIC é crucial porque estamos a assistir a mudanças dramáticas nestas regiões do planeta, com recuo do gelo marinho e diminuição da sua espessura (ParKinson et al. 2013) assim como ao potencial desaparecimento de organismos associados ao gelo (Barber et al. 2015). No entanto o impacto destas tendências de alteração nas comunidades microbianas envolvidas no ciclo do azoto é atualmente desconhecido, embora seja fundamental para identificar os riscos emergentes e definir a priorização das ações.